terça-feira, 23 de abril de 2013

Terno, óculos escuros e a angústia padrão


    De longe vejo um homem com terno desbotado, surrado devido o tempo de uso, óculos escuros e sapatos marrons, gastos e quentes. As solas ardem feito brasa em cima de um vulcão, que está localizado no centro da cidade, ao meio-dia de um verão escaldante. Esse senhor tem um sorriso pacato e amarelado, que faz questão de mostrar para todos aquele singelo síntoma do desgaste ocasionado pelo café, cigarro e o polimento do  tempo, que detona com seu esmalte. Mas ele não se importa com tão pouco, sempre prefere valorizar coisas 'mais reais', do que sua estética pessoal.    


    Típico trabalhador comum, acordar às seis; café, pão na chapa, um tapa no cabelo, ônibus, trânsito, rumo aos prédios. Chegando ao edifício, outro café; digitar, catalogar, preparar, conferir,  entregar, suar, bufar... água. No seu horário de almoço costuma andar,  olhando para os andares espelhados à sua volta, mas sempre  visualizando do solo improlífero e ardente. Nunca terá o passaporte para ver esses prédios de cima. Já se conformou com a ideia. Aprendeu desde cedo que os sonhos custam dinheiro e por mais simples que possam ser, financeiramente  são impossíveis de conquistar.


    Vejo o todos os dias, sempre sozinho à procura de uma saída. Amarga consigo o medo de que estes prédios torne sua vida uma prisão. Um cárcere tão perfeito que sequer existe portas ou muros para fugir.  O livre direito de partir está escancarado à sua frente, mas a consciência sistematizada, programada e rotulada o impede de agir. Agonia e repulsa já fazem parte do cotidiano. Já descobriu que é impossível existir um amanhã se os dias vivem se repetindo.


     Nessa busca incessante por um lugar qualquer, este homem envelhece todos os dias. No seu holerite consta os descontos de sempre: FGTS, seguro de vida, convênio médico, desconto do sindicato, desconto disso...daquilo, etc... Nunca é encontrado uma bonificação pelo seu trabalho árduo, comprometimento, eficácia e pontualidade. O salário sempre é o mesmo, a cobrança cada vez mais ampla e a vida mais curta a cada minuto. 


   No fim do mês lhe é concedido um cheque de bonificação mensal, para que possa por mais trinta dias se acabar em álcool e alcatrão. Apenas um escape, tendo a obrigatoriedade de aceitar de qualquer maneira a sua posição de cidadão padrão; sem questionar se é justo ou não, sem retrucar, sem opor-se, sem gritar, sem fraquejar, sem chorar... apenas acolher e prosseguir.
 
    

Nenhum comentário:

Postar um comentário