Era mais um dia de trabalho, onde a labuta me consumiu até o último instante. Sexta feira e uma enorme lua tomava conta da cidade e as pessoas já tomavam seus acentos nos bares, para dar ao garçom e o balconista, sua ocupação social. Eu estava sozinho, resolvi voltar andando para casa pois todos os ônibus pareciam lotados, pelo caminho entrei em um posto comprei uma garrafa de cerveja e deixei que as estrelas conversassem comigo. Então meu telefone tocou, era Lúcia.
— Olá, quanto tempo não te vejo, estou perto de sua casa hoje, vamos fazer algo? estou com saudades de você.
— Claro Lúcia, podemos nos encontrar às 9, pode ser?
— Sim, eu apareço por lá.
Apertei o passo, para tentar encurtar o tempo. Lúcia é uma pessoa que conheço há muito tempo,costuma andar sozinha, como eu e não é a toa que ela me procurou, devia estar agoniada e precisava de alguém, por um momento apenas, que lhe cedesse um abraço e um ouvido. As pessoas hoje em dia não tem mais tempo para ouvir as outras pessoas, quanto mais um abraço sincero.
Nós saímos, conversamos e bebemos muito, era uma boa companhia e era uma noite agradável. Na volta, cheguei próximo a sua porta e quando ia me despedir:
— Porque não entra? Tenho uma garrafa de vinho chileno guardada, gostaria de dividi-la com você.
Com um sorriso contemplei sua ideia, tranquei o carro e entrei em sua casa.
Logo na entrada pude ver um grande quadro, que mostrava uma paisagem do campo, junto a um telefone antigo e um retrato de família, que juntos deveriam servir de enfeite para casa. Pelo corredor havia um mancebo bem feito, que dava ao lar uma tonalidade antiga. Ao passar pela sala encontrei com uma outra mulher, eu a cumprimentei, chamava-se Júlia e eu nunca há vi antes, mas sua afeição era estranha, tinha olheiras enormes e parecia acuada, tímida, não queria falar muito. Depois da devida apresentação, segui Lúcia até a cozinha.
— Quem é ela?
— Minha irmã.
— Ela não parece bem,
— Realmente não está, ela tinha um namorado, que trocou ela por outra mulher.
— Faz muito tempo? Questionei.
— Quase um ano, ela ainda não se recuperou. Toma vários remédios e só sai de casa para ir ao psicólogo uma vez por semana.
— Mas ela ainda é jovem não? disse tentando alcançar uma alternativa justificável de recuperação.
— Creio que o amor não escolhe idades para matar.
— Tem razão, mas ela toma vinho também, podemos tentar socializar ela?
— Melhor não, você é um estranho aqui, não sei como ela assemelharia sua presença;
Compreendi a imposição caladamente.
Fomos para o quarto de Lúcia, tomamos toda a garrafa, estava bom ali, mas nada me fez esquecer, aqueles olhos embotados de inchaço, do qual sua irmã Júlia me apontou. Por um instante me encontrei naquele olhar, por um longo tempo, desesperei-me como ela. Gostaria de ajudá-la, mas ninguém que tentou me ajudar conseguiu.
A vida se tornar voraz, as pessoas se tornam vorazes, e tudo se
desvanece, junto com o vinho tinto, o sangue e o amor. Todos nós, estamos constantemente brincando com os sentimentos de outras pessoas, seja direta ou indiretamente, por comentários a terceiros ou por um julgamento de vida, de estilo, de escolhas, de moral. Se isso não é considerado um pecado capital, pode ser que seja uma via expressa para o inferno. E enquanto a música tocava no quarto de Lúcia, eu permanecia vivo e sua irmã no andar debaixo também, apesar de todos os nossos demônios e ao apego aos nossos passados, mas estávamos ali, de alguma forma, como brotos de uma selva devastada.
Desde que me despedi, fui para casa. Liguei o rádio e tocava David Bowie, tomei banho com o som alto e quando já deitado, torci, para que o inferno da irmã de Lúcia, não durasse tanto quando o meu...